domingo, 28 de outubro de 2012

Malu



Pensativa com seu cigarro. Malu sai pela portaria do prédio, andando nada delicadamente sobre seu salto agulha, para respirar a poluição da noite. Noite fria de agosto. Não muito longe, assovios e cantadas de alguns homens tomando cerveja barata e assistindo o jogo de quarta feira num boteco qualquer. Um carro de luxo encosta, placas de fora, rodado caro. Ela vai se debruçando na janela de trás, quando uma mão sai e deposita quinhentos Reais no seu decote e abre a porta sem questionar, a quantia supera em muito o dinheiro sujo de bêbados casados que pagariam para ela em algumas noites, Malu embarca.
- Prazer, Malu. - ela se apresenta prontamente, tentando parecer elegante.
- Prazer Malu. - ele responde, sem mudar sua expressão.
- Vinho?
- Hummm, com esse frio. Eu aceito.
- Que bom que te agrada.
Malu aceita, depois de alguns goles e algumas quadras rodadas, adormece.

Corpos nus de acólitos femininos dividem espaço com um homem, usando de um manto negro e máscara de bode que murmura palavras.
- Venha adiante, oh grande gerador do abismo e faca a sua presença manifestada. - coro de acólitos repete.
Malu assustada sente sob as costas a pedra gelada. Nua e amarrada, ela olha ao redor e observa que esta em uma espécie de cave, divide espaço com garrafas velhas de vinho e animais em gaiolas.
Um acólito masculino, com o corpo coberto por penas carrega consigo uma caixa, onde dentro possui uma espécie de crânio animal, acomodado em veludo vermelho.
- Eu reuni os meus símbolos adiante e preparo meus ornamentos do que e para ser, e a imagem da minha criação espreita como um dragão agitado aguardando a sua liberdade.
- Oh! Ardat Lilith! – murmuram em coro os acólitos femininos.
- Eu invoco o teu nome grande fêmea desafiante da harmonia celeste!
- Aranha vampira! Olhe com teus olhos rubros em sangue.
A cabeça da caixa estranhamente grita.
Malu ainda tonta estremece, chora, tenta gritar por ajuda, a voz não sai.
- Ouço teus lamentos nos uivos dos ventos, sismos e vulcões!
O acólito masculino se aproxima de Malu colocando a cabeça do animal sobre o cólon dela. Sente o calor começando a aumentar, um formigamento.
- Oh! Ardat Lilith!Ad te Advoco, Te proclamo, Omnipotent aeterne matriarca! - repete o coro de acólitos femininos.
Malu desmaia, tomada por uma dor lascinante.

Malu acorda em um quarto de motel barato, suada e cansada. Com mais dinheiro que ganharia na sua vida toda.
E morre nove meses depois por complicações no parto.



Especial de Halloween, postado por Linguiceiro da rua do Arvoredo.






Alguns já devem ter me ouvido contando essa história, eu escrevi tal como eu costumo contar.
O conto original é bem melhor, recomendo. Li ele a algum tempo, por recomendação de uma amiga.
Baseado no conto "Lorena" de Daniel Gonçalves.




sábado, 27 de outubro de 2012

Cena.



PERSONAGEM SEM NOME
Eu continuo tendo esse sonho recorrente. Um domingo à noite, eu e ela deitados no chão da sala. Ela me segurava carinhosamente em seu colo e afagava meus cabelos. Não de uma forma demasiada romântica, e muito menos violenta. Tocava como se fosse a primeira vez, e potencialmente a última. Era como se o tempo parasse. Era como se eu não tivesse outra opção a não ser amá-la. E então, tudo fica embaçado. Um vento forte adentra pela porta, como se estivesse usando toda sua força para me levar embora. Os toques dela desaparecem aos poucos, junto com sua imagem cada vez mais distante. Não a vejo mais, não a sinto mais tocando meu corpo. Como se ela nunca estivesse lá, como se eu não tivesse outra opção a não ser esquecê-la. E então eu acordo. Sozinho. Nu em minha cama. Com o mesmo vento frio do meu sonho adentrando pela janela. A mesma sensação de vazio e o conhecimento de que nada foi real. Ela não é real.

Por Vinícius Rodrigues

domingo, 21 de outubro de 2012

Giz pastel



Eu te vejo,
na retina,
no teu olhar de menina.

No teu jeito perfumado,
no carinho delicado,
enegia e vibração.

No fundo destes olhos verdes,
nas linhas delicadas do teu rosto,
sujas de pastel.

Eu te vejo.




domingo, 14 de outubro de 2012

Senhor, que tempo maluco


Francamente, alguns escritos chateiam seus leitores com viagens. Viagens, delírios e outras passagens diversas - Peço agora licença para citar Machado de Assis - Bem no começo de Memórias póstumas de Brás Cubas temos o famoso delírio em que o narrador é levado por um hipopótamo e assiste dos céus o desfile dos homens desarmados; Machado sugere que o leitor pule o capítulo se não é dado ao entendimento desses “fenômenos mentais”. Se não estiver afim de ler pule para o próximo, se quiser.

To cansado de ouvir aquela velha história, “Senhor, que tempo maluco”. Eu na hora já imagino, São Pedro capitaneado por Deus no controle do Sistema Clima-Tempo Mundial, o famoso SCTM, mandando chuva, seca, controlando nuvens. Sempre seguido pela sua equipe de apóstolos fiéis em uma sala celestial, na frente de monitores top de linha.
- Paulo, como estão as plantações de arroz no Vietnam? E na China?
- Secas, o Senhor deu ordem de não enviar chuvas por três semanas.
- Faça algo, mas segure a água por mais uma semana, deixe que orem por mais um tempo.
- Certo, mandarei fortes chuvas para Truong e Hunam, logo os vales receberam sua parte.
- Marcos, e estes fones? Ouvindo música no trabalho novamente?
- Desculpe Senhor, mas estou com uma área razoavelmente calma hoje. As tempestades em Wyoming da semana passada deixaram as pessoas com um ar mais solidário, temos alguns desabrigados, mas as equipes de terra estão mantendo sob controle.
- Certo, continue monitorando a área e mantenha com sol.
- Tomé, informe situação.
- Senhor, estou apertado. Solicitei a manutenção do meu monitor ontem à tarde ainda, mas nada. Estou com a área de São Paulo hoje, e é véspera de eleições.
- Ligue agora para Malaquias, ele já devia ter voltado do café, e peça para ele aumentar a área de cobertura para todo o Brasil no monitor dele, mande tempo nublado com pouco vento.
- Certo, e para o Sul? O senhor havia pedido sol no domingo de eleições.
- Mande chuva, muita. Lá o negócio anda feio, vamos fazer o pessoal de Porto Alegre andar de botas na inundação.
- Entendido.
- Lucas, e sua área?
- Londres está com clima agradável, Paris e Berlin com chuva.
- E na Grécia, ainda caos?
- Sim, a chuva forte não acalmou os nervos. O que faço?
- Mande uma aparição de Nossa Senhora onde a menina foi resgatada da enxurrada semana passada, talvez resolva algo.
- Entendido, farei agora mesmo.
 “- Aviso aos monitores celestiais, oficial superior no Deck principal” – Voz feminina no interfone
- Monitores de pé! – São Pedro exclama.
- Bom dia Senhor Deus, apresento serviço de monitoramento sem alteração.
- À vontade São Pedro, continue o bom trabalho, também me enviei até o fim do dia os relatórios semanais para Punta Cana, tenho alguns amigos que querem tirar uma folga.
- Entendido, até a metade da tarde estarão na sua mesa.


Apenas domingo. 
Se gostar, me ligue.