domingo, 30 de setembro de 2012

Positvidades




Estava em Porto Alegre. Na noite anterior, fui convidado por umas amigas para uma festa a fantasia, em um apartamento lá na Fernando Machado.
Conheci a Stella por acidente, em uma viagem: ela fazia arquitetura em outra universidade, era maluca, linda e tinha o cabelo fino. Segundo ela, cabelo de bebê. Eu ria horrores.
O apartamento era no décimo primeiro andar – próximo do Viaduto da Borges e vista para o Guaíba – nos dois dias que passei lá, a água mudou de cor, de azul a marrom, um reflexo estranho, acredito que em função da chuva. As meninas me disseram que às vezes ela alternava para amarelo ouro, ao pôr do sol. Não consigo esquecer aquela vista, também podia ver parte da zona sul.
Só sei que estava em um buraco cheio de gente maluca e com roupas estranhas. As meninas estavam lindas, mesmo, ou quem sabe era a maconha em exagero que rolava por lá.
Stella? Bom, ela não se importava com nada, desde que pudesse escutar Dylan no Ipod, enquanto alternava nos dedos um lápis. Diria eu que é uma mágica que só ela sabe fazer, o lápis se tornava uma espécie de mini baqueta.
Enfim.
Essa parte vou pular - já que aqui - muita coisa rolou.
Me encostei na janela e fiquei lá curtindo com a galera, sempre fui de falar pouco, mas adorava observar. O papo era legal. Glauber Rocha era protagonista das histórias e Torquato seu fiel escudeiro.
Aí então percebi: Em meio a sorrisos estranhos, um par de olhos me observava. Os dela. Percebo e largo um sorriso retribuindo. Saí da janela e fui até a cozinha, pegar outro samba com Fanta. Ela se aproxima, me abraça e simplesmente diz: “Nossa, cara, como é bom ficar aqui perto de ti, tua energia é muito boa”. Ela me abraça mais forte, me beija e dá motivos para nunca mais sair de lá.

Foi meu sopro de vida em semanas – voltei para casa com a roupa amassada e um bolso cheio de recomendações para assistir.


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Insônia
















Mesmo se a madrugada for longa
E os dias intermináveis
resisto
como a lágrima que se recusa a secar
como a brisa que insiste em soprar


Se a noite não acabar
O senhor dos céus há de mandar algum servo
forte o suficiente para puxar pelo braço
uma linda manhã de sol
e eu estarei vivo


Eu choro
Porque lembro do perfume dos lençóis, recém trocados
Como se fosse seu hálito acalentando o meu sono que não vem
Mesmo que meus ossos sintam o chão
Eu ainda consigo sonhar. Acordado.

domingo, 23 de setembro de 2012

Madame Bovary



Não esperava.
Não queria.
Mas voltei, voltei sim.
Um vira latas desprovido de culpas.

Sexta feira de tarde, café da faculdade, mesmo local que havíamos nos conhecido meses antes.  Sabe aquele lugar com cheiro de pão de queijo? Acredito que seja uma das poucas lembranças que levo de lá. Pão de queijo. Quente e fofo, aquele que te anima para qualquer manhã fria, aquele que joga pro alto feito bola de praia na mão de criança arteira. Mas, eu não estava procurando pão de queijo, queria ela naquela tarde, naquela noite, era minha batalha a ser conquistada, a batalha da guerra que só eu conhecia.
Tava lá, pra sair vitorioso. No auge da minha autoestima.
Procuro.
Absorta no seu cigarro, ela caminha com elegância na área externa do café.  Próximo daí, um grupo de calouros fala de vide-game e cerveja, eles viram, olham admirando aquela beleza. Bobos. Torcicolo de bunda. Ponto pra mim, meu dia de sorte. Linda, morena que sabe fumar é uma coisa linda. Traga e joga a fumaça só como mulher de verdade sabe fazer.
Sigo na sua direção, sem nenhuma careta, apenas com um sorriso no rosto. Mais nada, apenas desejando simpatia. Respiração controlada, nenhum lábio mordido. Olhar fixo. Eu não me importava com ela, era minha presa e eu não era vulnerável a ela.
Continuo caminhando na direção dela. O sinal do começo do vespertino toca. Estava arrependido de caminhar na direção dela, se eu soubesse como seria recebido teria corrido. Ela me viu, parou. Sabia onde ia terminar, como ia terminar. Ela me recebeu com um sorriso que poderia fazer qualquer um subir o Himalaia, nu, sem comida.
- Bom?
- Mais que bom, pensei que não te encontraria mais por aqui.
- Eu sempre apareço.
- Percebi, faz um tempo não é. Nem lembro mais do teu nome.
- Eu nem lembro se perguntei o teu.
- Não perguntou mesmo. Mentira. Perguntou sim.
- Então...
- Incrível, e tu nem chega aos pés do meu tipo ideal.
- E eu não sei disso?
- Só vem comigo, até a biblioteca. Preciso renovar esse livro.
Ela estende Madame Bovary. Eu faço uma cara de que desconheço.
- Emma Bovary c'est moi.
- Só me deixa pegar um café, madame.
Poucas lembranças, a tarde era chuvosa. Ótimo, essa chuva de São Leopoldo é uma droga. Parece ácida. Quente e suja. Me deixa mais sujo, imundo. Mas ela lava minha alma.
Cerveja. Entre cervejas e papos lisérgicos ela acendeu um cigarro. Reparei na hora o Zippo dela. Era cravejado Harley Davidson, um camafeu de metal dourado. Porra, uma coisa dessas precisa ser a prova de roubo, se eu tivesse um ia enrolar ele todo em fita durex, só isso ia salvar aquela belezinha dos dedos ligeiros que tu encontra no bar.
Voltando ao zippo ou aos lábios, a boca loca que fuma e alterna com a borda do copo de cerveja gelada numa tarde de sexta feira abafada. Outro ponto para mim, estávamos jogando. Jogando um jogo ótimo. Chamado sedução. Jogo simples, poucas regras. Convencer a pessoa a sua frente que você vale a pena para a noite.  Nós lá, rindo da mediocridade dos outros frequentadores do bar, tomando litros de polar e se perguntando quem faria aquela pergunta primeiro.
Quebrei todas as minhas regras naquela sexta feira, eu voltei e tive meu segundo romance com Madame Bovary. O nome não interessa, mas na agenda do meu celular agora tenho uma madame.  É um jogo de xadrez, e para aquele final de semana queria saber com quantas peças eu andava. Voltei para casa no domingo. Cansado. Farto.

Sozinho.
Da forma que deve ser e da forma que sempre foi.
Sozinho.

"Deus, eu sou capaz de coisas vergonhosas por uma boca feminina" - Mário Bortolotto


domingo, 16 de setembro de 2012

Zarabatana



Ela já estava nua, mas eu ainda não estava. Trocamos palavras, breves elogios, mas perguntei de seu namorado, era impossível não reparar na aliança. Perguntei há quanto tempo estavam juntos, sem trocar a expressão ela continuou me olhando sorridente e dizendo que era há quatro anos.
Havíamos nos conhecido horas antes, em um café. Sai de casa cruzei o pedágio e levei o pocket "Crimes do Amor" do Sade, comprei-o horas antes na mesma livraria de sempre. Eu simplesmente estava destinado a encontrar alguém, não o amor. Apenas alguém. O segredo da felicidade sempre vai estar no fundo do colo do útero.
A noite estava fria, lembro apenas do barulho do ar-condicionado velho. Já havíamos trepado na escada, não deu pra segurar o tesão. Rapidinha, mas ela gozou. Subimos para o apartamento dela, típico de uma moça recém mulher. Já na cama nos agarramos feito loucos, bem me lembro do peito quente dela rente ao meu, batidas em um único ritmo. Havia alguém, mas fingíamos não existir.
Era um café com pessoas bonitas e bem vestidas, música ambiente, decoração melhor ainda. Perfeito. Eu tomando um Ana Tabarraz sem açúcar observando quem entrava e saia alternando entre a fumaça sinuosa e o livro de capa rosada. Enquanto desvio o olhar para checar as horas, e ela apenas passa na minha frente numa calça jeans apertada, e senta-se à mesa ao lado.
Sua mão brincava com meus cabelos, ficaria nessa por horas. Por um momento parei e mil memórias voltaram a minha mente, "e se eu me apaixonasse". Havia acabado de conhecê-la. Fiquei branco. Fiquei trêmulo. Ela percebeu, passou a mão na minha coxa, a respiração acalmou e tudo retornou à normalidade. Ledo engano
Levantei os olhos por um instante, e para minha surpresa eles estavam focados em mim. Voltei ao livro e pisquei para retornar do delírio, levantei novamente os olhos e continuavam a me fitar. Ela sorriu, eu retornei. O rosto era sereno, mas os pés estavam inquietos na ponta do salto agulha. Boca loca bem maquiada, bem rápido percebi que ela estava lá pelo mesmo motivo.
Ela adormeceu, escapei da cama. Não pude deixar de pegar um prestigio da caixa aberta ao lado da cama, sai. Cruzei o corredor peguei o elevador, saí para a noite fria e feia de setembro. Era mais uma de minhas noites, fugi. Era uma hora. Peguei a estrada e escrevi sobre isso. Escrevi sobre a mulher que pretendia nunca mais ver. Ficaríamos só com essa noite, por muito tempo, por muitas noites.

Com licença, vou pegar um refil de cerveja.
Um brinde, a novela dolorida e masculina.
Não a você.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Dias de Chuva



Odeio dias de chuva. São exaustivos, monótonos e reflexivos. Ou seja, não são feitos para mim. Nada presta, do chocolate quente de manhã até a chegada pós-trabalho na tão querida casa. O corpo pesa, o pensamento gira e você só pede um pouco mais de “hora do sofá”. Reflexão vem e vai, bate como se fosse sino. Agora entendi como os ingleses são tão entediados e chatos. Londres é triste. Geralmente não vejo as pessoas sorrindo e extravasando a sua alegria em dias assim, a menos que tivessem uma noite (Anterior a esse dia chuvoso) regada a sexo. Afinal, dias assim alegram quem gosta da depressão, aqueles que ficam felizes quando as coisas são complicadas, ou quando só chove, como canta Shirley Manson. É por isso que digo que sinto falta de uns bons dia de sol de verão escaldante, neles nunca vai soar tristeza na “happy hour”, só cansaço.
 Chegando em casa, abre-se a cerca do jardim com a mente cheia do trabalho e o cachorro te olha pela sacada. Percebe-se que sua animação é contida e apenas alguns balanços do rabo do cão é visto. Uma espécie de “oi, estou feliz em te rever, mas releva meu mal-humor, não é um bom dia”. Mal sabe ele que você está também nessas. O guarda-chuva é fechado, a chave é procurada no bolso e aquele suspiro de alívio e peso é solto: “Ufa! Finalmente em casa.”. Não quero tomar cervejas ou ver amigos, não quero diversão ou balada, ligo a TV e reclamo do dia, do trabalho e da programação... E ainda assim o dia continua sendo chuvoso, continua sendo uma merda. 
Agora parti, tá um lindo dia de sol e eu não quero perdê-lo como se fosse um dia de chuva.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sem graça


Já era tarde da noite, o dia mais frio do ano até então já quase amanhecia, e ele deitado em sua cama quente olhando para uma aranha no teto do quarto da cabana comprada há pouco mais de 3 meses quando largou tudo o que tivera conquistado até então, sozinho com suas rugas e pés de galinha, ouvindo a forte chuva que caia lá fora, vazio de pensamentos, dúvidas e alguns problemas inexistentes a serem resolvidas sobre sua nova vida.
Diziam que ele sempre fora bem humorado, paciente e obstinado, era um pouco retraído, no entanto, um observador nato. Sofria constantemente de insônia, bastante hiperativo vivia a pensar sobre as pessoas que observava durante seu cotidiano.
Curioso em questão ao comportamento alheio, o querer saber o porquê de determinadas atitudes das pessoas que o cercavam era seu hobby predileto, 30 minutos com alguém e já tinha em mente quais os principais medos, anseios, qualidades e defeitos da pessoa que com ele estava a conversar.
Dificilmente se enganava quanto à personalidade de alguém só por fitar a pessoa por alguns minutos, mesmo assim era atraído em manter relações com pessoas exóticas, gostava de entender o porquê das coisas serem do jeito que eram.  Seus relacionamentos não duravam mais que alguns meses, afinal de contas, era atraído pelo incomum, pelo diferente, e desta forma passado algum tempo em convívio, todo o diferente torna-se comum. Sendo assim para ele a graça se perdia.
Passaram-se os anos, sua vida cada ano mais estável, e aos 52 anos estava com um bom carro, sua casa própria invejável, uma carreira consolidada num trabalhos dos sonhos, duas separações, um filho já criado, havia ganhado muita experiência, e já havia conhecido e feito tudo o que sempre quisera. Saltado de para quedas, aprendido karate, viajado o mundo, ido a concertos ótimos, aprendido a tocar instrumentos, escrito livros, tido inúmeras e diferentes mulheres.... 
Desta forma, com o passar do tempo, conheceu a ultima coisa que esperava conhecer, a monotonia. Morria de medo de chegar a este ponto, o desconhecido tornara-se inexistente de um dia para o outro. Oque fazer a partir de agora? Como seguir em frente? Não haviam mais anseios, desejos, curiosidades.... Tudo fora tão precoce, intenso para ele. Não conseguia se imaginar aposentado, em casa, mantendo aquela rotina 365 dias por ano até chegar o dia que ele não veria acabar.
Por isso abandonara a boa casa na cidade e comprou uma cabana no meio do nada perto da fronteira sul da argentina com o chile. Foi conhecer a monotonia. E naquela madrugada fria e chuvosa de insônia, deprimido por ter perdido o sentido que tivera desde criança, sentiu o aço gelado encostar seu ouvido, sentou-se à cama e sentiu a estranha e deliciosa sensação da mistura do medo com coragem, sentiu lentamente e até o fim seu ultimo suspiro  e puxou o gatilho para descobrir a morte.
E a aranha continuou lá, no teto, observando, sem entender o por que daquilo tudo.