domingo, 25 de novembro de 2012

Piptadenia peregrina





Sábado, chuva e frio. Como de costume, estou de cuecas, sentado no sofá da sala. Resquícios da ex-mulher, sofá chique escolhido a dedo junto com o porcelanato aquecido do piso. Estava puto. Pensando em dar uma volta com a revolta que só eu conhecia. Esfriar a cabeça sabe?  Comer um belo bife mal passado no restaurante aqui do lado de casa, tomar uma taça de vinho, fumar um cigarro, voltar pra cá e escrever alguma coisa nojenta.
Suspirei, pisquei.
Minha meditação foi interrompida por batidas na porta. Batidas delicadas, nem precisei levantar para me dar conta que era uma mulher. Repousei a lata de cerveja no braço do sofá, baixei o volume da TV.
- Quem é?
- Oi.
...
- Sou eu, abre.
...
Alguns segundos depois
- O que é que tu quer?
- Tudo bem? Abre a porta.
- Tava fazendo o que?
- Vai se foder, não interessa.
- Abre logo.
Desisti, abri.
- Desculpa aparecer sem avisar, mas quero conversar.
- Negócio deve ser sério, tu nunca me pediu desculpas por nada. Entra e senta.
Ela passou porta e sentou numa chaise de couro branco, aposto que aquela bunda não ia melhor se sentar em outro lugar. E em dois suaves movimentos tira um cigarro e o acende, leva a boca, um buraco vermelho que atrai todos meus desejos mais íntimos. Mandei apagar o cigarro, ninguém fuma na minha casa.
- Quer uma bira?
- Quero.
- Sabe onde é a geladeira.
Fiz questão de nem levantar, ela sabia bem se virar.
- Caralho! Que merda de cozinha ein, eu pensando que ela era bagunçada.
- Não enche.
- Tu não era assim.
- As pessoas mudam.
- Olha, não tenho pra aturar teu papo furado. Desembucha.
Ela saiu completamente nua. Da boca aberta, com batom vermelho de canto eu via uma gosma branca. Cabelo bagunçado, maquiagem borrada.
Pisquei novamente e acordei.


domingo, 18 de novembro de 2012

Guarani Kaiowá de boutique



Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter 

As redes sociais são mesmo a maior vitrine da humanidade, nelas vemos sua rara inteligência e sua quase hegemônica banalidade. A moda agora é "assinar" sobrenomes indígenas no Facebook. Qualquer defesa de um modo de vida neolítico no Face é atestado de indigência mental.

As redes sociais são um dos maiores frutos da civilização ocidental. Não se "extrai" Macintosh dos povos da floresta; ao contrário, os povos da floresta querem desconto estatal para comprar Macintosh. E quem paga esses descontos somos nós.

Pintar-se como índios e postar no Face devia ser incluído no DSM-IV, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Desejo tudo de bom para nossos compatriotas indígenas. Não acho que devemos nada a eles. A humanidade sempre operou por contágio, contaminação e assimilação entre as culturas. Apenas hoje em dia equivocados de todos os tipos afirmam o contrário como modo de afetação ética.

Desejo que eles arrumem trabalho, paguem impostos como nós e deixem de ser dependentes do Estado. Sou contra parques temáticos culturais (reservas) que incentivam dependência estatal e vícios típicos de quem só tem direitos e nenhum dever. Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter com o tempo.

Recentemente, numa conversa profissional, surgiu a questão do porquê o mundo hoje tenderia à banalidade e ao ridículo. A resposta me parece simples: porque a banalidade e o ridículo foram dados a nós seres humanos em grandes quantidades e, por isso, quando muitos de nós se juntam, a banalidade e o ridículo se impõem como paisagem da alma. O ridículo é uma das caras da democracia.

O poeta russo Joseph Brodsky no seu ensaio "Discurso Inaugural", parte da coletânea "Menos que Um" (Cia. das Letras; esgotado), diz que os maus sentimentos são os mais comuns na humanidade; por isso, quando a humanidade se reúne em bandos, a tendência é a de que os maus sentimentos nos sufoquem. Eu digo a mesma coisa da banalidade e do ridículo. A mediocridade só anda em bando.
Este fenômeno dos "índios de Perdizes" é um atestado dessa banalidade, desse ridículo e dessa mediocridade.

Por isso, apesar de as redes sociais servirem para muita coisa, entre elas coisas boas, na maior parte do tempo elas são o espelho social do ridículo na sua forma mais obscena.

O que faz alguém colocar nomes indígenas no seu "sobrenome" no Facebook? Carência afetiva? Carência cognitiva? Ausência de qualquer senso do ridículo? Falta de sexo? Falta de dinheiro? Tédio com causas mais comuns como ursinhos pandas e baleias da África? Saiu da moda o aquecimento global, esta pseudo-óbvia ciência?

Filosoficamente, a causa é descendente dos delírios do Rousseau e seu bom selvagem. O Rousseau e o Marx atrasaram a humanidade em mil anos. Mas, a favor do filósofo da vaidade, Rousseau, o homem que amava a humanidade, mas detestava seus semelhantes (inclusive mulher e filhos que abandonou para se preocupar em salvar o mundo enquanto vivia às custas das marquesas), há o fato de que ele nunca disse que os aborígenes seriam esse bom selvagem. O bom selvagem dele era um "conceito"? Um "mito", sua releitura de Adão e Eva.

Essas pessoas que andam colocando nomes de tribos indígenas no seu "sobrenome" no Face acham que índios são lindos e vítimas sociais. Eles querem se sentir do lado do bem. Melhor se fossem a uma liquidação de algum shopping center brega qualquer comprar alguma máquina para emagrecer, e assim, ocupar o tempo livre que têm.

Elas não entendem que índios são gente como todo mundo. Na Rio+20 ficou claro que alguns continuam pobres e miseráveis enquanto outros conseguiram grandes negócios com europeus que, no fundo, querem meter a mão na Amazônia e perceberam que muitos índios aceitariam facilmente um "passaporte" da comunidade europeia em troca de grana. Quanto mais iPad e Macintosh dentro desses parques temáticos culturais melhor para falar mal da "opressão social".

Minha proposta é a de que todos que estão "assinando" nomes assim no Face doem seus iPhones para os povos da floresta.



Luiz Felipe Pondé em Folha Ilustrada 
Segunda-feira, 19 de novembro de 2012

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/78787-guarani-kaiowa-de-boutique.shtml

sábado, 17 de novembro de 2012

Diálogo de Rotina






Um dia, em um sonho encontrei-me com a Rotina. Ela era uma mulher atraente e esperta, com uma beleza ofuscante que se agravava mais com a sua dialética inquestionável, rodeada de pessoas que a escutavam e admiravam. No mesmo momento, senti um encanto e muitas dúvidas a serem resolvidas, me meti à frente daqueles em que admiravam e a ouviam para um pequeno dialogo/debate:

- Porque me persegue sem aparecer com tua aparência humana formosa?

- Nunca foi perseguição, todo mundo me procura em palavras e em atitudes e me tem. Não preciso usar da minha imagem para conquistar alguém.

- Mas você é cansativa e previsível... A beleza por si só não encantará mesmo sendo assim. Me enjôo de ti a cada semana que passa e assim será até o final de minha vida.

- De diferentes modos eu até sou querida, eu estou até no diferente. Não sou de aparecer, sou de agir. Agir como uma opressora, como pode ver: os mais normais me seguem vendados e quando me perdem, se perdem também. Sou necessária para todos os humanos, mesmo alguns me odiando.

- Mas “Normalidade” é feita de números, estatística, como Aldous Huxley dizia. O perder pode ser o se achar em algo diferente e não rotineiro, algo irregular. Algo inconstante.

- Mas a irregularidade constante também é e vira uma rotina. Nunca vamos nos perder. Até na oscilação entre o regular e o inconstante.

- E qual a prova concreta disso? Se você é onipresente, é como uma deusa. Certo!?

-  Prova? Haha! Sabe que já tentou fugir de mim e o máximo que conseguiu foi me achar de outro jeito. Mas como uma deusa? De fato, mas nunca me reconheceram. Sempre “dei” ou deixei respostas concretas e plausíveis para qualquer acontecimento que me envolvesse, talvez seja por isso. O que o homem não conhece ou não conhecia faz criar deuses que nem existem. Aí sim, depois aparecem alguns que ganham seus cargos aprendendo a fazer e aparecer em um pequeno maremoto ou uma tempestade, aprendendo a mexer com a natureza e assustando os seres humanos. Fui até comparada a Chronnus, só que eu não acho isso. Chronnus tem muito mais importância do que eu, o erro de vocês é acharem que me criaram.

- Não acredito em deuses. Muito menos aqueles que não tem um poder claro sobre os humanos (Como todos acreditam).

- Azar o seu. Eu existo e domino o planeta. Poucos são os animais que não me seguem. Sou hábito, sou necessidade, sou vida, sou regular, sou o constante... Toda a moralidade e ética foi feita sobre a minha pessoa, e até aquele que transgride a lei, vai agir por mim. Submissão total, estou até no universo, na expansão constante. Talvez eu tenha criado tudo isso. Nunca pensaram? Vejo os humanos como pequenos organismo que funciona de acordo com a minha lei: a constância. Vocês não afetam o universo de maneira devastosa, só existem e, por muitos tropeços, se matam.Vocês são ordenados e escravos da minha vontade e sempre serão.

- Não é animador saber disso. O livre arbítrio é uma farsa.

- Sim e não. Mas mesmo assim, deixo a opção de todos seguirem a sua rotina.

Indignado me virei sem dar um tchau na mesma hora. Debates são debates, mas aquele me deixou furioso. Nunca tinha pensado na “Rotina” como uma deusa. Admirei-a. Sai da frente dos outros e tentei sentar com eles para escutá-la. A cadeira que ela apontou para sentar era diferente. O sonho foi terminando e simplesmente ela me fez cair em algum outro lugar, diferente, estranho e massivo que nós chamamos de realidade. Mas até hoje tenho uma enorme curiosidade em saber o nome daquela suposta “Deusa da Rotina”.

sábado, 3 de novembro de 2012

Na lona.



Olhe bem para mim.
Aqui sentando na grama, lendo passagens de Foucault.
Tua cabeça apoiada no meu colo às voltas com pensamentos.

Como um balão que leve voa pelo ar
Suspiros flutuando por todo o lugar.

Olhe bem para mim.
Perdendo a pose.
Rabiscando poemas.

domingo, 28 de outubro de 2012

Malu



Pensativa com seu cigarro. Malu sai pela portaria do prédio, andando nada delicadamente sobre seu salto agulha, para respirar a poluição da noite. Noite fria de agosto. Não muito longe, assovios e cantadas de alguns homens tomando cerveja barata e assistindo o jogo de quarta feira num boteco qualquer. Um carro de luxo encosta, placas de fora, rodado caro. Ela vai se debruçando na janela de trás, quando uma mão sai e deposita quinhentos Reais no seu decote e abre a porta sem questionar, a quantia supera em muito o dinheiro sujo de bêbados casados que pagariam para ela em algumas noites, Malu embarca.
- Prazer, Malu. - ela se apresenta prontamente, tentando parecer elegante.
- Prazer Malu. - ele responde, sem mudar sua expressão.
- Vinho?
- Hummm, com esse frio. Eu aceito.
- Que bom que te agrada.
Malu aceita, depois de alguns goles e algumas quadras rodadas, adormece.

Corpos nus de acólitos femininos dividem espaço com um homem, usando de um manto negro e máscara de bode que murmura palavras.
- Venha adiante, oh grande gerador do abismo e faca a sua presença manifestada. - coro de acólitos repete.
Malu assustada sente sob as costas a pedra gelada. Nua e amarrada, ela olha ao redor e observa que esta em uma espécie de cave, divide espaço com garrafas velhas de vinho e animais em gaiolas.
Um acólito masculino, com o corpo coberto por penas carrega consigo uma caixa, onde dentro possui uma espécie de crânio animal, acomodado em veludo vermelho.
- Eu reuni os meus símbolos adiante e preparo meus ornamentos do que e para ser, e a imagem da minha criação espreita como um dragão agitado aguardando a sua liberdade.
- Oh! Ardat Lilith! – murmuram em coro os acólitos femininos.
- Eu invoco o teu nome grande fêmea desafiante da harmonia celeste!
- Aranha vampira! Olhe com teus olhos rubros em sangue.
A cabeça da caixa estranhamente grita.
Malu ainda tonta estremece, chora, tenta gritar por ajuda, a voz não sai.
- Ouço teus lamentos nos uivos dos ventos, sismos e vulcões!
O acólito masculino se aproxima de Malu colocando a cabeça do animal sobre o cólon dela. Sente o calor começando a aumentar, um formigamento.
- Oh! Ardat Lilith!Ad te Advoco, Te proclamo, Omnipotent aeterne matriarca! - repete o coro de acólitos femininos.
Malu desmaia, tomada por uma dor lascinante.

Malu acorda em um quarto de motel barato, suada e cansada. Com mais dinheiro que ganharia na sua vida toda.
E morre nove meses depois por complicações no parto.



Especial de Halloween, postado por Linguiceiro da rua do Arvoredo.






Alguns já devem ter me ouvido contando essa história, eu escrevi tal como eu costumo contar.
O conto original é bem melhor, recomendo. Li ele a algum tempo, por recomendação de uma amiga.
Baseado no conto "Lorena" de Daniel Gonçalves.