quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sem graça


Já era tarde da noite, o dia mais frio do ano até então já quase amanhecia, e ele deitado em sua cama quente olhando para uma aranha no teto do quarto da cabana comprada há pouco mais de 3 meses quando largou tudo o que tivera conquistado até então, sozinho com suas rugas e pés de galinha, ouvindo a forte chuva que caia lá fora, vazio de pensamentos, dúvidas e alguns problemas inexistentes a serem resolvidas sobre sua nova vida.
Diziam que ele sempre fora bem humorado, paciente e obstinado, era um pouco retraído, no entanto, um observador nato. Sofria constantemente de insônia, bastante hiperativo vivia a pensar sobre as pessoas que observava durante seu cotidiano.
Curioso em questão ao comportamento alheio, o querer saber o porquê de determinadas atitudes das pessoas que o cercavam era seu hobby predileto, 30 minutos com alguém e já tinha em mente quais os principais medos, anseios, qualidades e defeitos da pessoa que com ele estava a conversar.
Dificilmente se enganava quanto à personalidade de alguém só por fitar a pessoa por alguns minutos, mesmo assim era atraído em manter relações com pessoas exóticas, gostava de entender o porquê das coisas serem do jeito que eram.  Seus relacionamentos não duravam mais que alguns meses, afinal de contas, era atraído pelo incomum, pelo diferente, e desta forma passado algum tempo em convívio, todo o diferente torna-se comum. Sendo assim para ele a graça se perdia.
Passaram-se os anos, sua vida cada ano mais estável, e aos 52 anos estava com um bom carro, sua casa própria invejável, uma carreira consolidada num trabalhos dos sonhos, duas separações, um filho já criado, havia ganhado muita experiência, e já havia conhecido e feito tudo o que sempre quisera. Saltado de para quedas, aprendido karate, viajado o mundo, ido a concertos ótimos, aprendido a tocar instrumentos, escrito livros, tido inúmeras e diferentes mulheres.... 
Desta forma, com o passar do tempo, conheceu a ultima coisa que esperava conhecer, a monotonia. Morria de medo de chegar a este ponto, o desconhecido tornara-se inexistente de um dia para o outro. Oque fazer a partir de agora? Como seguir em frente? Não haviam mais anseios, desejos, curiosidades.... Tudo fora tão precoce, intenso para ele. Não conseguia se imaginar aposentado, em casa, mantendo aquela rotina 365 dias por ano até chegar o dia que ele não veria acabar.
Por isso abandonara a boa casa na cidade e comprou uma cabana no meio do nada perto da fronteira sul da argentina com o chile. Foi conhecer a monotonia. E naquela madrugada fria e chuvosa de insônia, deprimido por ter perdido o sentido que tivera desde criança, sentiu o aço gelado encostar seu ouvido, sentou-se à cama e sentiu a estranha e deliciosa sensação da mistura do medo com coragem, sentiu lentamente e até o fim seu ultimo suspiro  e puxou o gatilho para descobrir a morte.
E a aranha continuou lá, no teto, observando, sem entender o por que daquilo tudo.


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