domingo, 18 de maio de 2014

Bar

Querida, 
Escrevo para ti, agora, me desculpando. Naquela noite, fui forçado a me comunicar, já que as batidas das suas unhas vermelhas - fazendo TAC TAC no balcão do bar - estavam me deixando louco.


Dei uma bicada na cerveja morna e olhei fixo para ela. Ela fechou um botão do decote.

- Desculpa.
- Relaxa.
- Era para ficar nisso, mas não estava dando certo.
- Cansei de vocês.
- E esse desabafo? Traz uma dose para a moça! E uma cerveja para mim. Sorte minha não ter filhos para alimentar, fim de mês tá fodendo comigo.
- Obrigada.

Ela fez descer seco – cowboy. Fez cara de estar bebendo gilete. Realmente, não era o tipo dela. Sorriu fechando os dentes.

- Qual é o teu problema? Eu tenho bons motivos para ficar louco com mulheres. Mas se eu fosse o mulherão que tu és, não estaria desperdiçando lágrimas magoadas e conversando comigo.
- Traição.
- Foda. Sei como é... Trepar com o corpo de alguém mas a cabeça estar no mofo do teto.
- Que merda! Ele deve estar dando uma agora com a secretária dele, aquela vaca. Ontem, entrou em casa e nem olhou pra mim. Será que é culpa?
- Duvido muito, quem ama não trai. A coisa é bem mais que tesão.
- Logo comigo, sempre tão segura... Mulher perfeita! Casei, lavei e cozinhei. Mulher perfeita sabe? Uma perfeita inglesa durante o dia e uma jovem francesinha à noite.

E, realmente, era uma mulher perfeita. Olhei bem no fundo dos olhos azuis e tive certeza: eles me fitavam com um sorriso que se contorcia por trás da máscara da decepção. Aquela maquiagem cara se indo para um homem que não merecia alguém assim. Ela tremia e eu podia ver sua pele suar; aquelas belas pernas terminando em um salto agulha que não parava de se mexer.
- Garçom, mais duas!
- Obrigada, to só precisando desabafar com alguém.
- Faz bem conversar. Conversou com ele já? Aposto que não! ... Tu não consegue encarar o que ele vai dizer...
- Exato. Medo de ouvir o óbvio.

Já estávamos ficando alcoolizados. Bocas amortecidas, olhares perdidos. Pedi mais duas. Trocando palavras com a língua enrolada, me mordi. Finalmente, tirou um cigarro, Marlboro Gold. Fumaça fina saindo tímida das narinas vermelhas. Ficamos nessa, por quase uma hora. No fim, estávamos tão bêbados que qualquer conselho seria impossível de ser dado. Bebemos feito porcos e, sinceramente, não tivemos uma noite muito produtiva: entornamos mais do que falamos. Saímos cambaleando e abraçados. Paramos na porta e ela chamou um táxi. Me ofereci para dividir. Ela agradeceu novamente.


Aquela noite, o táxi me deixou em casa e te levou não sei pra onde. Subi as escadas cambaleando, vomitei e caí na cama. Hoje, só lembrança e comprimidos de omeprazol. E, óbvio, uma sensação estranha de que nunca iria te ver novamente.
  
Apenas domingo. 
Se gostar, me ligue. 

Um comentário:

  1. O melhor texto que, mesmo posterior, antecedeu a melhor morte engasgada que tive.

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