“- Acorda amor... Você não deixou
as roupas dependuradas no varal?”
Mas eis que começou uma chuva lá
fora. Chuva frontal. Encontro de uma massa de ar frio com uma massa de ar
quente do calor que se fez a semana toda.
Não chovia há semanas e a estiagem castigava. Castigava minhas noites
mal dormidas nas quais eu ficava inquieto na cama consequente do calor infernal
que fazia. Castigava meu cachorro que se esparramava no piso do banheiro em
busca do local mais fresco da casa. Castigava minha mulher que reclamava dos
ruídos provenientes do ventilador antiquado.
Mas nesta manhã de domingo, ela deu seu s ares por aqui.
“- Quer saber meu amor, danem-se as roupas no
varal, já estava sentindo saudades de uma pestana que valesse a pena, quando
levantarmos a gente pendura atrás da geladeira.” Ela aprovou num monossílabo.
Abracei-a fazendo nos onipotentes e adormecemos novamente.
Singelo
canto da ave. Mais belo que o lendário assovio do uirapuru, que num voo
repentino deixou de dar o ar de sua graça. Zarpou daquela arvore ao perceber
que a chuva viria para dar espaço a outro espetáculo soberbo. Pessoas corriam
dela, a não ser eu. E elas fugiam tal como a caça foge do caçador. Mas ali eu permaneci. Banhado por aquela agua
viva que a Terra saciava-se naquele momento. Enquanto a chuva caia em minha
face, eu percebi que uma gota não era simplesmente um décimo de milímetro de
agua que embebiam meu semblante de satisfação. Cada gota era uma gamela que já
foi preenchida para saciar a sede. Cada gota era parte de um gigantesco regador
que nutre solos e plantações. Cada gota é uma lágrima derramada por quem ela
faz tanta falta. Cada gota é a inspiração de amantes e poetas do noturno e do
soturno. Cada gota é parte de um cenário
de 1000 beijos apaixonados. Cada gota já esteve em mais lugares em que eu
estarei em toda a minha vida. Mantive
meus olhos cerrados. Enquanto meu corpo e meus pensamentos eram sendo
purificados em sua totalidade por uma das mais belas sinfonias criadas pela
natureza. O som da chuva.
Despertei-me
sozinho. A chuva cessara. O olor de café passado pairava pelo lar. Levantei-me
e servi-me de uma xicara de café. Direcionei-me até a varanda e fiz-me o
protagonista principal de um dos momentos mais pitorescos de minha vida. Sorvei
um bom gole de café, envolvi a mulher que me foi destinada em meus braços,
apreciando o arco celeste emoldurado em um vespertino em sépia.
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